domingo, 5 de setembro de 2021

Sobre paixão e vocação


 “Esta noite não falo como autor e nem como poeta; e nem como estudante sensível e conhecedor da vida do homem; mas como um ardente apaixonado pelo teatro. Creio sinceramente que o teatro não pode ser outra coisa que emoção e poesia, na palavra, na ação e no gesto. O teatro é um dos mais  expressivos e úteis instrumentos para a educação de um país e de um povo. Um teatro sensível e bem orientado em todos os seus ramos, desde a tragédia ao vaudeville pode mudar em poucos anos a sensibilidade de um povo. O teatro é uma escola de choro e de riso, uma tribuna livre onde os homens podem expor evidências morais, velhas ou equivocadas, e explicar com exemplos vivos normas internas  do coração e do sentimento da homem.O teatro sempre foi minha vocação.Dei ao teatro muitas horas de minha vida.Tenho uma concepção de teatro de certa forma pessoal e resistente.O teatro é a poesia que se levanta do livro e que se faz humana.E ao fazer-se  humana, fala, grita, chora, ri e se desespera.O teatro necessita de que os personagens que aparecem em cena tenham roupagem de poesia  e deixem ao mesmo tempo, seus ossos e seu sangue. Os personagens tem de ser tão humanos, tão horrorosamente trágicos e ligados a vida, com uma força tal, que mostrem suas traições, que se apreciem suas dores, e que saia dos lábios  toda a valentia de suas palavras, cheias de amor e de ódio”.

 


“ A arte tem que estar acima de tudo. E vocês, queridos atores, artistas acima de tudo, artistas dos pés a cabeça, posto que por amor e devoção é que vocês subiram ao mundo fingido e doloroso do palco, do teatro. Artistas por preocupação e ocupação. Desde o teatro mais modesto ao mais burguês, se deve escrever a palavra arte nas salas e camarins. Porque se não escreveremos comércio ou outra coisa que não me atrevo a dizer.Teatro é hierarquia, disciplina, sacrifício e amor”.


 


“As vezes quando vejo o que se passa no mundo, me pergunto:

- Para que escrevo?

Mas há que trabalhar, trabalhar. Trabalhar e ajudar ao que merece. Trabalhar ainda que, às vezes, pense que realiza um esforço inútil.Trabalhar como uma forma de protesto. Porque meu impulso seria gritar todos os dias ao despertar em um mundo cheio de injustiças e misérias de toda ordem:

- Protesto! Protesto !

Neste mundo eu sou e sempre serei partidário dos pobres. Eu sempre serei partidário dos que não tem nada e até a tranquilidade do nada se lhes nega.  Nós - me refiro aos homens de significação intelectual e educados no ambiente médio das classes que podemos chamar de acomodadas – estamos chamados ao sacrifício, aceitemo-lo”.

 

Federico Garcia Lorca

(Junho de 1936)