sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pontapés, socos, saltos, correrias e malabarismos

Qual a necessidade do trabalho corporal para atores?

De todas as carreiras, o ator sabe que a sua profissão é a que mais exige  preparação corporal e mental para ocupar a cena. É necessário esforço, dedicação, força de vontade e disciplina para enriquecer não só o intelecto, mas educar o corpo para ampliar e melhorar sua expressividade corporal, vocal  e capacidade de comunicação. Para o ator, comunicação não significa apenas saber usar a voz e saber falar para o público. Tem a ver com energia, gestualidade e expressão física e emocional. 
Para tirar o maior proveito de seu corpo, que é o seu “principal instrumento de trabalho”, o ator tem procurado os mais diferentes meios e técnicas para preparar seu corpo e voz para a arte da representação. Aulas de canto, yoga, pilates, exercícios ginásticos e respiratórios, balé, bandoneon, música, contato-improvisação, dança. São práticas artísticas benéficas que melhoram não só sua capacidade respiratória, sua postura corporal, seu tônus muscular, como sensibilizam e preparam seu corpo para a ação cênica.
A maioria das escolas de teatro tem em seu programa curricular a disciplina  “expressão corporal”. A finalidade desta disciplina, não é só revelar ao aluno, aspirante a ator o que ele não conhece de seu corpo, mas fazê-lo aprender a reeducar seus movimentos, sua postura, sua flexibilidade e sensibilidade para assim alcançar sua própria consciência corporal e equilíbrio para a atuação.
Confesso que ao começar a ter aulas de expressão corporal na escola de teatro, me pareceu estranho e doloroso todo o esforço físico, vocal, muscular e respiratório que a disciplina exigia. Faziamos muitos exercícios físicos desgastantes em sala, como correr alopradamente de um lado para outro, congelar, saltar, pular, dar cambalhotas, parar, gritar, reagir a estímulos exteriores e lidar com objetos materiais que nos eram oferecidos. Com o tempo comecei a perceber a importância destas aulas de corpo e passei a usufruir de seus benefícios.
Eu lembro que, na época, estava tendo dificuldades corporais para trabalhar com o texto “Navalha na carne” de Plínio Marcos. Eu interpretaria a prostituta Neusa Sueli. A dificuldade não envolvia o entendimento da peça, e não tinha também nada a ver com o trabalho de direção. Tinha a ver com minha expressão corporal e vocal. Ainda não tinha encontrado a postura teatral da minha personagem.  Sua gestualidade.  Estava distraída, com uma concentração deficiente e com a visão e audição pouco treinadas no espaço/universo teatral. Ao longo do semestre, graças ao preparo corporal e vocal nesta disciplina, eliminei estes problemas na atuação e encontrei minha personagem. Seu aspecto físico, sua atitude em face da vida, suas motivações, seu aspecto social e psicológico. Enfim os traços essenciais do personagem para a ação. Neste sentido, dentro da escola teatral, a disciplina de consciência corporal foi muito importante para o meu preparo físico e aprendizado no treino interpretativo.
Aprendi com esta disciplina, a respirar melhor, a ter uma postura mais adequada ao meu trabalho como atriz. Aprendi a me concentrar em cena. No que faço e como faço. Graças a esta disciplina passei a me sentir mais atenta ao espaço que meu personagem ocupa no espaço da trama. Consequentemente meu repertório de movimentos se enriqueceu com este preparo físico. Minha capacidade de audição e visualização se fortaleceram sensívelmente. Não consigo subir ao palco e ficar indiferente ao que está acontecendo nele. Ao menor ruído, gestos e estímulos do ambiente meu corpo reage sensívelmente.  Com o “corpo treinado e preparado” estou mais predisposta a estabelecer e manter vínculos com tudo o que descubro nos ensaios e com os meus colegas envolvidos no jogo da representação.
Enfim, descobri que não é suficiente trabalhar com o intelecto e o conhecimento, se você não tem um corpo estimulado e sensibilizado para exteriorizar o emocional do seu personagem.  Em cena o ator precisa ser despudorado e visceral para criar um ser de carne e ossos dotado de atitude, interioridade e personalidade. Portanto, no seu cotidiano o ator precisa manter seu corpo em treinamento constante. Buscar uma técnica corporal, um exercício (de respiração, relaxamento, concentração, memória, um jogo teatral) para manter seu corpo organicamente sensível, estimulado e motivado em energia para a interpretação.
Eu comecei meu preparo corporal na dança.  Na década de noventa, quando comecei a frequentar aulas de flamenco.  Tinha consciência de que “a dança podia ser uma disciplina complementar para a formação e preparação corporal de uma aspirante a atriz para a cena”.  Sempre gostei de me expressar com o corpo e trabalhar com música e mímica. Sabia que a dança também revela uma teatralidade no movimento, no gesto, na expressão corporal do bailarino.
Estudar dança significava para mim a possibilidade de expandir minha expressão corporal para o teatro, enriquecer minha expressão gestual para atuar por meio do trabalho de postura, coordenação, flexibilidade, fluidez. Então, mergulhei de cabeça nas possibilidades que a dança flamenca me oferecia, para me preparar de corpo e alma para o teatro e para a profissão de atriz.

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